As crises passaram a ser esporádicas. Estava livre da depressão e o pânico só aparecia às vezes.
Durante a primeira crise, minhas mãos tremiam tanto que eu não conseguia segurar nada. Meu coração batia muito rápido, sentia enjoos, desorientação e principalmente medo. Sabe-se lá do que. Corremos para um pronto-socorro e nada foi diagnosticado.
A primeira crise aconteceu em 2001. Estava no último ano da faculdade de jornalismo, fazendo um estágio no principal jornal da cidade, e escrevia para um site voltado a adolescentes. Estava numa fase ótima, morava sozinha, ganhava meu próprio dinheiro, namorava firme há uns três anos, cheia de amigos e feliz.
Durante uma viagem para o Litoral com meu então namorado, senti um aperto enorme no peito. Minhas mãos tremiam tanto que eu não conseguia segurar nada. Meu coração batia muito rápido, sentia enjoos, desorientação e principalmente medo. Sabe-se lá do que. Corremos para um pronto-socorro e nada foi diagnosticado.
Semanas depois, uma nova crise. Passei três dias sem comer absolutamente nada porque os enjoos, a taquicardia e as mãos trêmulas não me deixavam. Novamente fui ao pronto-socorro. Nenhum diagnóstico.
Tirei uns dias de folga e fui para a casa da minha mãe no interior de São Paulo, a procura de um cardiologista de confiança da família. Após vários exames (eu achava que estava infartando ou com algum problema cardíaco), ouvi pela primeira vez: Aline, você está com síndrome do pânico.
Passei dias tentando achar um motivo pra ter desenvolvido essa doença. Sempre fui muito feliz, alto astral, muitos amigos. Batalhava muito pelo que queria, trabalhava com o que amava, que era o jornalismo. Tive uma adolescência ótima, livre como deve ser numa cidadezinha de 50 mil habitantes. Mesmo assim, eu fui diagnosticada com síndrome do pânico, algo que na época ainda era pouco divulgado ou comentado. Iniciei um tratamento com um psiquiatra, que me receitou um anti-depressivo e um ansiolítico, o Rivotril, que todo mundo conhece bem. Além disso, o médico me recomendou alguma prática esportiva onde eu pudesse liberar toda a ansiedade causadora do pânico. Comecei a fazer boxe em uma academia ao lado de casa.
Tive uma melhora considerável nas crises, que foram diminuindo pouco a pouco. Então fiz o que a maioria faz quando se sente melhor em qualquer tratamento médico: parei com todos os remédios. Afinal, não precisava mais deles.
Por alguns meses tive uma vida absolutamente normal. Terminei um namoro de cinco anos quando conheci meu ex-marido no trabalho, meu primeiro emprego após formada em uma rádio da cidade. Adorava o que fazia.
Foi então que as crises recomeçaram e apareciam bem na hora de sair de casa pra algum compromisso social. Desmarcava saídas com amigos em cima da hora e ninguém entendia nada, muito menos eu. Eu só sentia meu coração saindo pela boca, e aquela ansiedade enorme me dominando rapidamente. Meu cérebro fica entorpecido e confuso.
Recomecei o tratamento novamente, desta vez com terapia junto, e decidi largar o jornalismo. Era meu sonho, mas não naquele momento. Abandonei minha profissão, abri uma locadora de DVDs com um amigo e fui morar com meu namorado. Trabalhávamos 14 horas por dia, era uma loucura e foi um grande sucesso por uns 2 anos.
Minhas crises eram constantes, apesar dos medicamentos. Eram tão fortes que eu não podia levantar da cama algumas vezes. Chorava muito, queria ficar no escuro. Tinha tanto enjoo que vivia a base de dramim. Nessa época comecei a me desesperar. Procurei todo o tipo de ajuda possível. Terapêutica, espiritual. Fiz diversos tratamentos alternativos por uns 2 anos. Cada vez mais eu me sentia fora da sociedade. Não encontrava ninguém que passava pelo mesmo problema que eu. Me sentia absurdamente sozinha, exausta. Meu casamento começou a dar sinais de problema porque é muito difícil alguém entender o que se passava.
Lia tudo o que poderia existir sobre o tema, sobre o poder das energias. E nessa época iniciei meus estudos na doutrina kardecista. Foi determinante para me dar força de vontade de ficar boa e me curar. Mas em uma consulta com o psiquiatra, outro diagnóstico: depressão grave causada pela síndrome do pânico.
Eu passava os dias na cama com meus cachorros. Chorava sem motivo algum por horas a fio. Passava por um pesadelo acordada e vivia dopada de calmantes e remédios pra enjoo.
Fui melhorando pouco a pouco. Tive alta médica e continuei apenas com o rivotril para emergências. Comemorei esse dia como um renascimento. Me senti incrível e poderosa. Um mês depois descobri que estava grávida.
Nunca quis ter filhos. Não era um plano pra mim. Mas tomei a pílula de forma errada e fiquei grávida. Aquela notícia foi o maior choque que tive na vida. Eu via a felicidade dos meus amigos, família, do meu marido, e eu simplesmente não aceitava. Novamente, caí na cama. Chorei por dias pensando: minha vida agora acabou. Até que a barriguinha começou a aparecer e passei a gostar daquilo. Comecei a comprar roupinhas de bebê, escolher o nome, decorar o quarto e no final da gravidez estava feliz e pronta pra receber a minha filha.
Ela chegou, perfeita e saudável. E eu não fazia ideia do que fazer com um bebê. Mesmo assim queria fazer tudo sozinha. Dispensei a companhia da minha mãe no hospital. Em casa, fazia absolutamente tudo. Amamentava muito, dormia 3 horas por dia, mas não aceitava ajuda nenhuma. Passava a noite em claro com a Manu no meu colo e meus cães acordados, de guarda.
Dois meses após o nascimento da Manu, mais um diagnóstico: depressão pós parto. Passei a chorar compulsivamente. Não comia nada que não fosse pão francês e miojo. Cheguei a pesar 43 quilos. Passava muito tempo sozinha com a minha filha, já que meu marido trabalhava em São Paulo.
Não podia tomar nenhum remédio pois estava amamentando. Aguentei as crises de pânico que vieram juntas com a depressão na raça. Tinha a impressão que era eu e a Manu contra o mundo inteiro. Voltei para a terapia e esse momento foi determinante na minha vida. Meu casamento, que já não estava bem durante toda a gravidez, piorou absurdamente. Brigávamos o tempo inteiro. Eu chorava e ele não entendia o porquê. Fui orientada pela minha terapeuta e colocar a Manu em uma creche. Na época ela tinha 7 meses. Eu achava cedo mas a terapeuta insistiu que eu precisava de meio período para trabalhar tranquila e pensar um pouco na minha recuperação. Todos foram contra, afinal eu tinha meu próprio negócio e podia leva-la comigo. Enfrentei todo mundo.
Decidi voltar a atuar como jornalista. Por indicação de uma amiga, comecei a trabalhar em um pequeno jornal, para adquirir experiência e voltar ao mercado. O salário era ridículo. Já não amamentava mais. Passava horas no trabalho, fazendo tudo o que podia pra dar conta da Manu, da casa, do trabalho, do marido. Mandei um currículo e mudei para um trabalho melhor.
Nessa época já havia voltado a tomar as medicações. Mergulhei no trabalho novo e fui crescendo rapidamente. Descobri uma área do jornalismo que passei a amar muito. Só pensava em vencer tudo aquilo que tinha acontecido comigo para que minha filha tivesse orgulho de mim.
As crises passaram a ser esporádicas. Estava livre da depressão e o pânico só aparecia às vezes. Quando Manu fez três anos decidi me separar.
Foi uma decisão conjunta, mas difícil. Saí de casa e me mudei para o apartamento da minha família, que estava alugado. Somente eu, Manu e meus dois cachorros. Deixei tudo pra trás, sem família por perto pra ajudar. Contratei uma babá de confiança e fui seguindo.
Comecei a ter uma vida social aos poucos. Alguns amigos incríveis me ajudaram muito. Passei a me sentir viva novamente, mulher novamente. As crises foram diminuindo mas não pararam totalmente. Mudei de médico e de terapeuta. E descobri que a síndrome do pânico tinha ido embora, dando lugar a ansiedade crônica. Levantei a cabeça e iniciei um novo tratamento.
Hoje mina mãe mora perto de mim. Tenho todo o apoio e suporte dela. Me dou muito bem com meu ex-marido. Saio bastante, tenho muitos amigos. Faço academia para baixar os níveis de ansiedade. Mas ela está lá bem presente, diariamente, fazendo com que eu sofra qualquer coisa de forma gigantesca.
Tenho um cargo de chefia e isso exige uma grande responsabilidade. A pressão é diária mas o amor que tenho pelo que faço é enorme. Convivo com a ansiedade absurda diariamente, a ponto de só conseguir trabalhar depois de um comprimido de rivotril.
Aprendi a administrar em alguns momentos. Em outros, ainda preciso me fechar em casa. Continua sendo difícil explicar o que eu sinto, o que acontece com meu corpo durante uma crise de ansiedade. Às vezes fico com vergonha de dizer até para meus próprios amigos e familiares. Parece mais do mesmo. Tenho a impressão que vão dizer: Aline, você reclama da mesma coisa há 14 anos e ainda não se curou?
Não. Não me curei. Pesquisei em diversos sites especializados e conversei muito com minha terapeuta. Em alguns casos não tem cura mesmo. A gente precisa aprender a administrar e pronto. Precisa aprender a reconhecer os gatilhos. Precisa saber a hora de parar pra respirar. Precisa aprender a sobreviver com a ansiedade crônica.
E eu mais que sobrevivo. Vivo intensamente cada segundo. Me entrego em absolutamente tudo e pago o preço por isso. A taquicardia, tontura, enjoos, desorientações me rondam. Quando chegam, eu aceito e me recolho para pensar. Por algum motivo, preciso viver com isso. Mas não deixo de olhar pra vida com os olhos mais otimistas do mundo. Venci muita coisa e vou vencer mais ainda. Porque essa doença me deu uma força descomunal, que eu nem sabia que tinha.
Obs: As fotos deste artigo são todas do meu arquivo pessoal. Estou aqui, abrindo a minha vida e a minha doença, e não faz sentido não expor partes da minha vida.