A dor da ausência em “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, na NETFLIX

Por Octavio Caruso

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças (Eternal Sunshine of The Spotless Mind – 2004)

Na Grécia antiga, berço da filosofia, Heráclito afirmava metaforicamente que nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio. O existir é um perpétuo mudar, um constante fluir.

Já Parmênides de Eleia (povo pioneiro no uso da dialética) contestava-o afirmando que o ser é único, eterno, imutável, imóvel e infinito. Ele dividia o mundo em sensível (aquele que conhecemos pelos sentidos) e inteligível (mundo que não vemos e não tocamos, mas compreendemos).

John Locke argumentava que a identidade do ser não era definida por características físicas, mas, sim, por repetida auto-identificação. Logo, a memória torna-se essencial na construção do ser.

O que aconteceria caso o homem pudesse manipulá-la, de forma a aniquilar elementos que o fizeram tornar-se quem ele é? Apagar da mente aqueles eventos que ajudaram a construir sua personalidade, afetaria a forma como o ser lidaria com o seu habitat?

O filme, dirigido por Michael Gondry, abre esta importante discussão, contando a história do casal Joel (Jim Carrey) e Clementine (Kate Winslet).

Após anos sentindo-se insatisfeita com os rumos do relacionamento, ela age impulsivamente e aceita participar de um tratamento que irá fazê-la “cirurgicamente” esquecer completamente de seu namorado. Indignado, Joel decide fazer o mesmo, porém acaba percebendo o valor da preservação daqueles momentos.

Ele lutará até o fim para manter suas recordações, mesmo aquelas que causam sofrimento, pois também ajudaram a construir o homem que ele se tornou.

O roteiro

O roteiro brilhante de Charlie Kaufman nos induz a questionar a nossa frágil psique, com a angústia de alguém em lidar com a indiferença do outro. Apaga-se a memória, mas ele ainda existe.

O ser humano não busca na pessoa amada aquela que dará consistência a si próprio, mas sim uma projeção ilusória do que consideramos ser a perfeição.

A partir do momento em que a pessoa amada não mais consegue manter aquela imagem idealizada, o que ocorre naturalmente em curto espaço de tempo, nasce o sentimento da frustração e o desejo de terminar aquele relacionamento e buscar a ambicionada “perfeição” em outra pessoa.

Esquece-se que os contrastes não são defeitos, mas, sim, características marcantes que nos diferenciam.

A dor da ausência

A “perfeição” nasce quando a mente madura (independe de idade) percebe que o amor é uma comunhão harmônica entre contrastes. Joel percebe isto enquanto realiza seu tratamento.

Ele é apaixonado exatamente pelas características mais dissonantes da personalidade dela, suas fascinantes idiossincrasias. Todos os aspectos que antes considerava determinantes para o fracasso da relação, agora se apresentavam com a beleza do desconhecido.

Como, por exemplo, aquela mania chata de largar as meias pelo chão ou outros gestos irritantes, que somente ganham em valor quando se perde a pessoa amada.

Somente na ausência é que percebemos a importância das pessoas. No silêncio é que reconhecemos a beleza da música. Joel precisou perder Clementine para perceber o quanto a amava.

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