“Curtindo a Vida Adoidado”, de John Hughes
Por Octavio Caruso
John Hughes ficou conhecido como “O Poeta da Juventude”. Ele começou na década de setenta escrevendo para a revista “National Lampoon”, uma ousada e criativa colagem de textos subversivos e escrachados, que era febre nos Estados Unidos na época.
Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off – 1986)
Impossível expressar aqui a sensação que nós sentíamos quando nos jogávamos na cama (ou no chão, no sofá), com a cabeça cheia de preocupações escolares (no meu caso, como iria resistir às provocações de alguns colegas de classe no dia seguinte) e com um copo de Pepsi na mão, enquanto que a outra se alternava entre um saco fedorento de Cheetos ou os aromaticamente mais agradáveis pacotinhos de biscoitos wafer de nome “Lanches do Fofão”.
O mundo todo à minha frente e eu torcia para fazer dezoito anos, com a mesma força que hoje torço para voltar aos vinte. Na pequena televisão de dezesseis polegadas, dependendo do meu humor, eu me alternava entre “Sessão da Tarde” (Globo) e “Cinema em Casa” (SBT).
“Curtindo a Vida Adoidado” foi sinônimo de comoção nacional. Adolescentes faltavam suas aulas vespertinas, enquanto eu que estudava de manhã, corria para casa a tempo de ver o início. E que início!
Ferris Bueller (Matthew Broderick) colocando seu plano audacioso em andamento, enquanto seus pais se preocupavam com sua intensa febre. E ele falava com a gente, muito antes de eu entender o que era “quebra da quarta parede”, eu já achava o máximo aquela interatividade.
Nós então virávamos cúmplices daquele plano e eu podia jurar que sentia o vento bater no meu cabelo, quando na companhia daquele trio (Broderick, Mia Sara e Alan Ruck) acelerava com aquela Ferrari vermelha pela estrada.
Ver “Sessão da Tarde” quando criança era uma experiência sensorial. A gente sentia que compartilhava daquele momento com toda nossa turma de escola (e todo o Brasil), então torcíamos para sermos identificáveis naquele contexto.
Não importava que eu tivesse sete anos, mas eu estava ali dançando Twist and Shout com o personagem principal. Quando a cena mostrava rapidamente a imagem da Mia Sara olhando orgulhosa para o seu namorado, nas nossas cabeças não era a atriz, mas, sim, aquela garota por quem éramos apaixonados (muitas vezes sem coragem de avisá-las na vida real e torcendo para que, por alguma mágica, ela visse o filme e pensasse: “e não é que ele lembra o…”).
Era uma época sem internet, MSN, Google, em que nossa imaginação nos bastava.
Mesmo tendo visto o filme várias vezes nos anos seguintes, nunca mais senti aquela mesma euforia (que tentei expressar aqui), somente uma bela nostalgia que chega a apertar o coração.
Por este motivo a dublagem é tão importante em nossas vidas.
Foi com a voz do Nizo Neto que eu conheci Ferris Bueller, e é somente com esta voz que se abre em minha mente um portal dimensional que me leva novamente, por alguns momentos, para aquele tempo e espaço, onde, por milésimos de segundo, consigo sentir os aromas daqueles biscoitos que nem existem mais.
O filme acaba e o protagonista nos pede para irmos embora, retiro o DVD, guardo-o em minha coleção consciente de que em breve nos reencontraremos, pois até agora não descobriram máquina do tempo mais eficiente que a Sétima Arte.
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